Por este caminho tão cheio de cruzes
de encruzilhadas e porteiras
passou o tropel das bandeiras
que abriam entrada a facão
homens de bota sete-léguas
que espantavam mães de ouro no mato,
e punham medo de assombração
nas estrelas azuis que eram olhos de gato
a tremer de emoção.
E depois?
Por este mesmo caminho,
passou o meu carro de bois.
Era puxado por três juntas de bois pampas,
o rude pescoço amarelo ajoiado nos fueiros,
a fita de couro a prender-lhes a ponta dos chifres.
E ia desenrolando o sinal das duas rodas,
como duas fitas muito longas paralelas
que saíssem das rodas tagarelas
e que ficassem esmagadas sobre o chão.
Alua por detrás do morro parecia
uma roda de prata
que escapou da carruagem do sol
e ficou a rodar a rodar na amplidão.
Ó minhas noites brasileiras, com que mágoa
eu me ponho a lembrar o meu carro de bois,
carreando lenha pela grota e acordando as capoeiras,
como um grito de dor dentro da solidão!
Agora os autos que passam
enchem de maravilha ou de escândalo as capoeiras
em flor,
e o coração mecânico do motor
espanta os crapinhés da solidão.
A abre na estrada as luas brancas do holofote
como os dois olhos de um vagalumão.
Os sacis-pererês correram como diabos
de olho vermelho a saltitar de um lado só.
(Ouve-se o canto arrependido de um jaó...)
O caapora pulou, com a falripa de fogo,
a folhagem de limbo, e deixou pelos campos,
Em pirilampos de ouro, as brasas do cachimbo.
*Fueiros – estaca de madeira disposta ao redor da mesa do
carro de bois, destinada a segurar a carga e a esteira.
*Falpira – cabelos curtos ralos.
-
Cassiano Ricardo
Nenhum comentário:
Postar um comentário